Arquivo da categoria: Tiago Scaffo

A entrevista de Alan Belaciano: Entre a falta de integridade e o triunfalismo injustificável

A entrevista concedida por Alan Belaciano, presidente da Assembleia Geral do Club de Regatas Vasco da Gama (CRVG), ao canal Vasco TV, foi um retrato cristalino da confusão ética, administrativa e política que marca as três últimas gestões do clube, e, principalmente, a atual. Disfarçada de prestação de contas e de suposto esclarecimento, a fala de Belaciano foi, na prática, uma peça de propaganda que expõe ainda mais as contradições e a falta de integridade institucional na condução do CRVG.

Logo no início, causa espanto o tom quase celebratório adotado ao abordar a entrada do Vasco em recuperação judicial (RJ). Belaciano chega a classificar como algo praticamente inédito e positivo o fato de o clube ser o primeiro grande do Brasil a entrar nesse regime jurídico. Mais do que uma visão ingênua, essa narrativa escancara a absoluta desconexão com a realidade: a recuperação judicial não é símbolo de grandeza, mas sim de insolvência. É um atestado público de que a instituição, através dessa gestão, não consegue honrar seus compromissos nos moldes previamente assumidos, e precisa recorrer a mecanismos legais para postergar, reduzir, ou até anular parte de suas obrigações financeiras.

O próprio Belaciano expõe, com naturalidade constrangedora, a atuação direta junto a advogados de credores. Ainda que tente vestir essa atuação como parte do processo de composição dos acordos, o fato é que a condução dessas tratativas nessas condições coloca em risco a integridade do próprio processo de recuperação judicial do Vasco. Ao invés de assegurar uma condução plenamente técnica, transparente e independente, o clube acaba se expondo a questionamentos sobre a real imparcialidade das negociações e a equidade no tratamento dos credores, ferindo princípios fundamentais de proteção ao seu patrimônio e à sua credibilidade institucional. Mais revelador ainda é o próprio conjunto de negociações conduzidas durante o processo, especialmente no âmbito da classe trabalhista, em que, sob sua condução, mais de 80% dos acordos foram firmados anteriormente sem aplicação dos deságios típicos de uma RJ, apenas com alongamento de prazos. Ou seja, o Vasco demonstrou ser plenamente capaz de renegociar suas obrigações trabalhistas sem necessidade de recorrer à proteção judicial, o que desmente a suposta inevitabilidade da recuperação judicial. Se tais acordos eram possíveis dentro de uma via negocial ordinária, fica a inevitável indagação: por que, então, o clube precisou ser empurrado para o regime de RJ? E, mais grave: agora, consolidado o plano, qualquer inadimplemento futuro poderá conduzir o Vasco à falência, encerrando de forma dramática um ciclo que poderia ter sido evitado.

Mais preocupante ainda é a narrativa de que desde 2004 o Vasco apenas “enxugava gelo”, pagando mais juros do que amortizações de dívida. Trata-se de uma incongruência histórica que ignora, por exemplo, o período entre 2015 e 2017, quando o clube, mesmo diante de sérias dificuldades, conseguiu efetivamente reduzir sua dívida global, fato confirmado pelo balanço de 2017, feito pela gestão posterior, em 2018. Ou seja, houve sim capacidade de diminuição da dívida global fora do contexto de recuperação judicial, ao contrário do que tenta pintar o discurso oficial atual.

A suposta imparcialidade nas negociações com os credores, tão destacada por Belaciano, também se mostra profundamente questionável. Um exemplo gritante é o caso do atual diretor técnico do futebol, Felipe Loureiro, ex-jogador do clube. Até hoje não há uma explicação clara e objetiva sobre como se deu a quitação ou a retirada de sua dívida do processo. Informações desencontradas indicam que teria ocorrido uma execução judicial em 2022, mas a forma como o acordo foi estabelecido, os valores envolvidos e se houve ou não tratamento diferenciado permanecem envoltos em incertezas. Não se sabe, até o momento, se a negociação atendeu aos critérios éticos esperados de quem deveria zelar pelo tratamento equitativo a todos os credores, ou se configurou uma situação díspar disso. Esse episódio, ainda sem os devidos esclarecimentos, continua pairando como mais um ponto de interrogação das mais diversas condutas administrativas da atual gestão.

A ausência de responsabilidade da atual gestão não se restringe apenas à condução da RJ. É importante pontuar que, até maio de 2024, o futebol profissional estava sob controle da Vasco SAF, então administrada pela 777 Partners. A partir daquele mês, com a concessão de uma liminar pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, processo este ainda em andamento e não definitivamente concluído, o CRVG reassumiu o controle integral das ações da Vasco SAF. A partir dessa retomada, a atual gestão passou a acumular novas dívidas expressivas, especialmente entre maio e dezembro de 2024, período em que deixou de honrar compromissos financeiros com vários credores, descumprindo o Princípio da Continuidade Administrativa. Esse acúmulo recente de obrigações, somado aos passivos anteriores, foi aparentemente preparado para ser arremessado integralmente dentro do processo de recuperação judicial. Ou seja, diferentemente da narrativa oficial, não se tratou de um passivo herdado exclusivamente de administrações anteriores, mas de um cenário que sugere uma estratégia deliberada, ao menos em aparência, construída já sob o comando atual, com a intenção prévia, e posteriormente consolidada, de empurrar toda essa massa de dívidas para dentro da RJ e, assim, tentar reestruturar o endividamento via deságios e prazos alongados. É nesse contexto que a suposta “redução” de dívida anunciada não passa de um movimento artificial, fruto de recálculos judiciais, e não de uma efetiva política de responsabilidade financeira e equilíbrio administrativo. O Vasco se coloca numa condição de instituição que não paga o que deve, e depois tenta renegociar suas dívidas com acordos de descontos. Quem sai perdendo, além da instituição, é o credor.

A entrevista de Alan Belaciano a Vasco TV não apenas falha em oferecer esclarecimentos verdadeiros à torcida e aos sócios, como ainda evidencia o grau de descompromisso com a integridade, a responsabilidade e a transparência que deveriam pautar a condução do Club de Regatas Vasco da Gama. Uma gestão que celebra a insolvência como feito administrativo e usa a crise como trampolim político, está muito distante daquilo que a instituição, e sua imensa torcida, merecem.

Tiago Scaffo

O Brasil coletivista e a ameaça à Identidade Cultural do Futebol com as SAFs

O Brasil é um país de dimensões continentais, marcado por uma diversidade de tradições que, apesar da distância geográfica e das diferenças regionais, compartilham um elemento central: a cultura coletivista. Ao contrário de sociedades individualistas, onde o sucesso pessoal se sobrepõe ao interesse do grupo, a cultura brasileira foi moldada pela força das comunidades, que constroem e mantêm vivas suas manifestações culturais por meio da união, da oralidade, da devoção e do trabalho conjunto.

As escolas de samba são um exemplo claro dessa força coletiva. Apesar de receberem investimentos públicos e privados, é o envolvimento direto das comunidades que dá vida ao espetáculo. Os desfiles são frutos de meses de trabalho de moradores, costureiras, soldadores, músicos e artistas locais, que se unem em prol de um projeto comum, mesmo que cada um tenha um objetivo particular, seja ele vencer, celebrar ou simplesmente participar. O mesmo vale para o Festival de Parintins, no Amazonas, onde a rivalidade entre os bois Garantido e Caprichoso mobiliza toda a cidade em uma disputa que é, antes de tudo, um espetáculo de pertencimento cultural. São eventos populares que se constroem com modéstia, mas carregam imenso valor simbólico.

Festas religiosas como o Círio de Nazaré, no Pará, e as romarias a Aparecida são outros exemplos da alma coletiva brasileira. Esses eventos mobilizam milhões de pessoas em atos de fé e resistência cultural, que não dependem de grandes patrocínios, mas da crença comum e da tradição repassada por gerações. O crescimento das comunidades evangélicas, muitas vezes sem apoio financeiro governamental, e a preservação de rituais das religiões de matriz africana, por meio da oralidade, também revelam a força de um povo que se une para manter sua identidade viva.

Nesse cenário, o futebol não é apenas um esporte. No Brasil, ele é uma extensão da cultura, da afetividade e da história de cada indivíduo. É a mais poderosa expressão popular do país. Por isso, somos conhecidos mundialmente como “Brasil, o país do futebol”. Diferente de outros lugares do mundo, onde o futebol é frequentemente visto como produto, aqui ele ainda é carregado de paixão, de lembranças afetivas e de identidade familiar. Os títulos desempenham papel fundamental nesse processo, pois ajudam a construir a memória coletiva do torcedor. Eles são pontos de referência emocionais, que marcam épocas, consolidam ídolos e reforçam a ligação afetiva entre o clube e a sua torcida. O torcedor brasileiro cria laços com o seu clube por tradição, pela camisa que o avô vestia, pelo hino que o pai cantava, pelo estádio que marcou um momento de infância. A relação do brasileiro com o futebol é moldada por afetos transmitidos entre gerações, por gestos simples e simbólicos que constroem uma identidade comum. O brasileiro torce por amor, não por lucro. O futebol, no Brasil, é profundamente emocional e comunitário.

Nossa história mostra isso com clareza. Em 1970, o tricampeonato mundial paralisou o país em uma explosão de alegria que marcou gerações. Em 1994, o tetracampeonato arrancou lágrimas de milhões, após 24 anos de espera, simbolizando não apenas uma conquista esportiva, mas um reencontro emocional com a identidade nacional. Já em 2002, o pentacampeonato fez com que toda a nação acordasse de madrugada, acompanhando os jogos disputados na Coreia do Sul e no Japão, movida pelo amor à seleção e à camisa amarela, que representa mais que futebol, representa o Brasil inteiro. Nenhum outro país viveu seus títulos mundiais com tamanha intensidade popular e coletiva.

Entretanto, a criação das SAFs, Sociedades Anônimas do Futebol, representa uma ruptura com esse modelo cultural. Ao transformar os clubes em empresas, com foco técnico, profissional e de alta performance, sob a gestão de investidores, muitas vezes estrangeiros, há um deslocamento da paixão para o consumo. O torcedor deixa de ser parte da construção do clube para se tornar consumidor de um produto, e produtos precisam dar retorno. Se o time não entrega resultados, ele deixa de ser consumido. A lógica da paixão dá lugar à lógica do desempenho.

Essa visão empresarial do futebol se contrapõe frontalmente à identidade cultural coletiva e democrática do povo brasileiro. Ao introduzir um modelo de gestão que exclui o torcedor do processo decisório e retira a alma afetiva do clube, corre-se o risco de esvaziar a relação entre clube e torcida. A memória, a história, os símbolos, os vínculos familiares, tudo isso é colocado em segundo plano diante do balanço financeiro e das metas de rendimento.

A criação das SAFs, portanto, contraria a essência cultural do Brasil, que enxerga o futebol como tradição familiar, laço afetivo e manifestação coletiva, e não como mercadoria. Quando se tem o futebol como paixão, cria-se um elo por identidade, por raízes, por aquilo que conecta você à sua família, à sua história, ao seu bairro. O brasileiro é passional, e isso faz parte da nossa riqueza cultural. Quando o futebol se torna apenas um produto a ser consumido, ele passa a exigir resultado constante. E, quando esse resultado não vem, o torcedor-consumidor simplesmente se afasta.

O perigo das SAFs não está apenas na profissionalização do futebol, algo necessário e bem-vindo quando equilibrado com a tradição, mas na substituição de uma paixão nacional por um produto globalizado. Quando o futebol vira um produto, ele perde sua raiz, seu território, seu povo. E o povo brasileiro, passional como é, não consome o que não ama.

Em um país onde o carnaval é feito por comunidades, onde festas religiosas arrastam milhões, onde o futebol para a nação por amor à camisa, é inaceitável que o coração do torcedor seja tratado como estatística de engajamento. O futebol brasileiro precisa evoluir, sim, mas sem abandonar sua essência coletiva, afetiva e popular. Sem isso, deixaremos de ser o país do futebol, para sermos apenas mais um mercado entre tantos outros.

Tiago Scaffo.

Da promessa de Grandeza ao Colapso: A realidade da SAF e o abismo financeiro do Vasco

O Club de Regatas Vasco da Gama atravessa uma grave crise financeira, que desde 2018 afunda o clube em dívidas crescentes nas gestões que se sucederam ao longo dos últimos sete anos. A promessa de reorganização administrativa e retorno à competitividade deu lugar à uma espiral de endividamento, instabilidade e descrédito. Para piorar, hoje o clube se encontra em seu pior momento institucional no século XXI, sem comando claro, sem plano estruturado, com oito anos e tanto sem títulos e pródigo em decisões simplistas, tomadas sem a devida responsabilidade ou de improviso.

A tentativa de virar a chave veio em 2022, com a criação da SAF e a venda de 70% das ações dela para a empresa norte-americana 777 Partners. À época, prometeu-se transformar o Vasco em um gigante da América Latina e do mundo. O resultado foi o oposto. A gestão da 777 não apenas fracassou em reorganizar o clube, como aprofundou os problemas financeiros. Ao fim da sua administração, a dívida do clube girava em torno de R$ 1,2 bilhão englobando passivos fiscais, trabalhistas, bancários, cíveis e desportivos.

Esse valor representa um aumento de aproximadamente R$ 465 milhões em relação ao que o clube havia acumulado ao longo de 124 anos de história, quando a dívida total girava em torno de R$ 735 milhões (2022). Ou seja, em apenas dois anos sob gestão da SAF, a dívida cresceu mais de 63% em relação ao passivo histórico do clube, um ritmo de endividamento inédito e alarmante. O que se vendeu como um novo modelo de gestão eficiente e moderno se traduziu, na prática, em uma administração que ampliou significativamente o endividamento, sem oferecer resultados esportivos ou avanços institucionais concretos.

Após a saída da 777, concedida através de uma liminar expedida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a administração da SAF retornou ao controle do clube associativo, sob a presidência de Pedrinho. No entanto, a crise não apenas persistiu, como se agravou. Sem uma reestruturação de despesas, sem acordos com credores e sem diretrizes claras de austeridade, a dívida aumentou em mais R$ 200 milhões apenas entre maio e dezembro de 2024. Esse crescimento representa aproximadamente 27% do valor que havia sido acumulado em 124 anos de associativo, e equivale a 40% do que a SAF elevou em dois anos, tudo isso em apenas sete meses. A escalada do passivo, sem qualquer contrapartida esportiva ou financeira, revela um cenário de gestão igualmente desorganizada e ineficiente, mesmo após a retomada do controle pelo clube.

Diante desse quadro, a atual gestão optou por recorrer à Recuperação Judicial (antiga Concordata), uma medida legal prevista para empresas em grave crise, que visa a reestruturar dívidas com a supervisão do Judiciário. Apesar de prevista em lei, a decisão foi vista com desconfiança por grande parte da torcida, por analistas do setor e por figuras proeminentes dentro do clube. Isso porque o uso da Recuperação Judicial, ainda que proteja o clube de ações de cobrança no Brasil, traz consigo uma série de estigmas e efeitos colaterais institucionais.

O grupo político Casaca, tradicional e combativo, posicionou-se de forma veemente contra a medida, mostrando ter a atual administração abdicado de buscar alternativas, como acordos ou parcelamentos que poderiam mitigar o impacto das dívidas. Ao lançar praticamente todo o passivo na Recuperação Judicial, sem demonstrar esforço prévio de negociação para não entrar nela, comprovando tratar-se de uma medida apressada e irresponsável, que empurra o problema para o futuro, sem resolvê-lo no presente.

Mais grave ainda é o cenário internacional. O Vasco corre o risco real de sofrer sanções da FIFA, especialmente um transfer ban, ou seja, a proibição de registrar novos jogadores. A punição se deve ao não pagamento de dívidas com clubes do exterior, o que fere diretamente as normas da entidade máxima do futebol.

Sobre o posicionamento da FIFA em casos como esse, é importante esclarecer: como regra, a entidade costuma reconsiderar sanções quando o clube está em Recuperação Judicial. Ela reconhece as dificuldades típicas desse tipo de processo e, normalmente, entende que, dentro desse contexto, o clube não é obrigado a cumprir os acordos firmados da forma originalmente imposta, mas sim conforme a legislação local que rege a Recuperação Judicial.

No entanto, a FIFA não está obrigada a aceitar essa reconsideração. Ela avalia caso a caso e pode interpretar que o clube está tentando se valer da Recuperação Judicial sem real necessidade, ou com condutas inadequadas. A entidade pode, portanto, optar por não suspender a punição com base em sua própria leitura do cenário, independentemente da legislação nacional.

Ou seja, ainda que a recuperação judicial possa ser reconhecida pela FIFA, não há garantia de que isso ocorrerá automaticamente. Se ela entender que o Vasco não está agindo com transparência, ou que a medida não é justificada, o transfer ban poderá ser mantido até janeiro de 2027. Isso seria muito prejudicial ao clube, que precisa urgentemente se reforçar para ser competitivo e tentar crescer esportivamente.

O prejuízo institucional vai além do campo. A perda de credibilidade afasta potenciais investidores, enfraquece relações com patrocinadores e deteriora o prestígio de uma marca centenária. Em vez de um recomeço sólido com a SAF, o Vasco se vê hoje novamente no centro de uma crise, sem comando claro, sem plano de reestruturação e com decisões sendo tomadas sob pressão e improviso.

A Recuperação Judicial, portanto, não é um recomeço. É o reflexo do fracasso de uma ideia de gestão vendida como solução milagrosa e de uma parceria que agravou, em vez de resolver, os problemas do clube. Se não houver uma guinada institucional imediata, com comando, responsabilidade e comprometimento, o Vasco corre o risco de afundar ainda mais no ciclo de instabilidade que o assombra nos últimos sete anos. O tempo para reavivar o clube ultrapassa os limites da razoabilidade. Como reflexo de tudo isso, em campo o Vasco não conquista um campeonato há quase nove anos.

Tiago Scaffo.

No calor de São Januário, Vasco inicia nova fase com Diniz

Em uma noite de reencontro e alívio para a torcida cruzmaltina, o Vasco da Gama venceu o Fortaleza por 3 a 0, em São Januário, pela 9ª rodada do Campeonato Brasileiro. A partida marcou o primeiro jogo de Fernando Diniz diante da torcida desde sua volta ao comando do time, após sua primeira passagem em 2021. E, apesar de sua chegada não ter empolgado de imediato os torcedores, ela representou uma esperança de dias melhores, especialmente diante do retrospecto positivo que o treinador teve em seus últimos trabalhos.

A falta de empolgação inicial tem explicação: o Vasco vinha de um jejum de nove partidas sem vencer, sob o comando de Fernando Carille, técnico que nunca caiu nas graças da arquibancada. Após sua saída, o diretor técnico Filipe Loureiro assumiu interinamente por quatro jogos, com um desempenho ainda mais pífio e preocupante, um empate e três derrotas, sendo uma delas o vexame diante do Puerto Cabello. Era evidente que o time sentia a ausência de comando técnico efetivo.

Na estreia de Diniz, o Vasco perdeu para o Lanús, mas já apresentava uma tentativa de jogo mais organizado em campo. Agora, no entanto, a postura que se viu contra o Fortaleza demonstra uma evolução da equipe em relação aos jogos anteriores e também em relação à partida contra o Lanús, na terça-feira.

Além do desempenho técnico, um aspecto que chama a atenção é o envolvimento direto do treinador durante os 90 minutos de partida. Fernando Diniz tem como característica manter comunicação constante com os jogadores, orientando, cobrando e ajustando o time em tempo real. Um fato observado aos 23 minutos do primeiro tempo ilustra bem esse perfil: durante o atendimento médico a um jogador caído, Diniz chamou todo o elenco para a lateral do campo e passou instruções detalhadas ao grupo. A cena simboliza não apenas sua intensidade, mas também o controle que busca exercer sobre cada momento da partida.

Contra o Fortaleza, o Vasco foi amplamente superior. Abriu o placar logo aos 3 minutos de jogo com Nuno Moreira e manteve o controle da partida durante os 90 minutos. Vegetti marcou duas vezes, aos 48 do primeiro tempo e aos 80 do segundo, sacramentando a vitória cruzmaltina. O Fortaleza, por sua vez, em nenhum momento ofereceu perigo real ao gol defendido pelo Vasco. A equipe carioca teve domínio territorial e técnico, com presença ofensiva constante e equilíbrio nas transições.

O jogo, no entanto, também foi marcado por um momento de descontrole emocional que poderia ter sido evitado. Aos 68 minutos da segunda etapa, Philippe Coutinho e Marinho foram expulsos após um entrevero. Marinho havia cometido uma falta dura em Adson momentos antes, mas não foi expulso imediatamente. Mesmo diante desse cenário e da possibilidade de vantagem numérica para o Vasco, Coutinho teve uma atitude infantil ao partir para cima do adversário, comprometendo a superioridade numérica que o time poderia ter naquele momento.

Apesar disso, o Vasco continuou superior, criou outras chances e poderia ter construído um placar ainda mais elástico. A equipe teve dois gols corretamente anulados pelo árbitro Anderson Daronco. Se houvesse mais capricho no último passe em algumas jogadas, o resultado final poderia ter sido ainda mais expressivo.

Outro ponto de atenção é o comportamento defensivo do Vasco em alguns momentos da partida. Ainda que o Fortaleza não tenha levado perigo, observou-se que o time recua excessivamente quando é pressionado, permitindo que o adversário jogue dentro de seu campo. Esse aspecto precisa ser corrigido nos treinamentos, e é essencial que o Vasco adote uma marcação mais adiantada e combativa, evitando permitir essa progressão do adversário.

Ainda é cedo para fazer projeções mais ousadas, mas é evidente que o Vasco começa a reencontrar um caminho mais sólido com Fernando Diniz. A vitória não apenas quebra um longo jejum, como também resgata parte da confiança da equipe e da torcida. Com ajustes, especialmente no setor defensivo e na disciplina em campo, o time pode dar passos firmes rumo a uma campanha mais consistente no Brasileirão.

Tiago Scaffo

Fragmentações e Ambições: O jogo político dentro de São Januário

A política interna do Club de Regatas Vasco da Gama tem sido marcada por alianças frágeis, rupturas estratégicas e interesses que, com frequência, se sobrepõem ao bem coletivo da instituição. A história recente comprova esse padrão corrosivo. Nas eleições de 2017, as chapas de Júlio Brant (Sempre Vasco) e de Alexandre Campello (Frente Vasco Livre) formaram uma aliança sob a denominação Sempre Vasco Livre. O acordo previa a presidência de Brant, com Campello como vice-presidente Administrativo, acumulando o cargo de Vice-Presidente de Futebol. No entanto, após a vitória nas urnas, a aliança se desfez. Campello, ainda vinculado ao Identidade Vasco, grupo de situação com forte presença no Conselho Deliberativo, lançou-se como alternativa na eleição interna, realizada entre conselheiros. Sua eleição à presidência só se concretizou porque contou com a chancela da oposição, que, mesmo sem assumir cargos na administração, o apoiou decisivamente, primeiro entre os eleitos e depois no corpo de Beneméritos. Essa composição gerou uma leitura equivocada por parte de muitos, como se a oposição tivesse assumido o poder, quando, na verdade, a estrutura administrativa permaneceu nas mãos da situação. A gestão Campello teve à frente o grupo Identidade Vasco e, pontualmente, aliados de Brant, mantendo, portanto, o domínio político da base situacionista. A oposição, ao contrário do que se costuma afirmar, não ocupou cargos estratégicos e tampouco comandou qualquer frente da administração. Essa virada política evidenciou o peso dos bastidores e da engenharia regimental dentro do clube, sem, no entanto, significar uma ruptura com o bloco que venceu nas urnas da Lagoa.

Atualmente, esse padrão volta a se repetir. A gestão de Pedrinho, que inicialmente contou com o apoio de diversos grupos políticos, incluindo parte dos que compunham a situação à época, hoje é alvo justamente desses mesmos aliados. O ponto de inflexão gira em torno da condução do processo envolvendo a Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Em 2024, Pedrinho liderou a rescisão do contrato com a 777 Partners e conduziu a reintegração do futebol ao clube associativo, medida que recebeu amplo apoio interno naquele momento, inclusive de grupos historicamente críticos à SAF, como o Casaca. No entanto, ao longo do tempo, a postura de Pedrinho passou a ser interpretada por alguns desses grupos como de resistência à venda imediata da SAF para um novo investidor. Essa “aparente contrariedade” passou, então, a ser usada como argumento político para desgastá-lo internamente, transformando antigos aliados em opositores e abrindo espaço para novas articulações de poder. A semelhança com episódios anteriores, como o da Identidade Vasco versus Sempre Vasco, está justamente na fragilidade das alianças políticas formadas e na rapidez com que interesses circunstanciais se sobrepõem ao debate institucional duradouro.

Esse tipo de movimentação já não é novidade na política vascaína. Quando Roberto Dinamite, maior ídolo da história do clube, foi eleito presidente, também contou com o apoio de muitos desses mesmos grupos oriundos do MUV (Movimento Unido Vascaíno). Porém, assim como ocorre com Pedrinho, Dinamite foi posteriormente deixado isolado pelos que o colocaram no poder, enfrentando críticas internas e abandono político durante sua gestão. Trata-se de um padrão recorrente: escolhe-se uma figura carismática, com forte ligação com a torcida, para chegar ao comando do clube e, em seguida, essa liderança é enfraquecida por aqueles que antes a exaltavam.

Nesse contexto, é importante destacar o papel do Casaca, que sempre manteve uma postura coerente em relação ao tema. Historicamente contrário à criação da SAF no Vasco, o Casaca nunca se omitiu diante do avanço desse modelo. Desde o início da gestão da 777 Partners, o grupo monitorou e criticou suas ações com responsabilidade, mantendo-se firme em seus posicionamentos. Como grupo político, o Casaca procura sempre manter a coerência e a solidez de seus ideais, colocando o Vasco acima de qualquer ambição pessoal ou conveniência política.

Os grupos que agora se opõem a Pedrinho se utilizam da “aparente contrariedade” do presidente à venda da SAF como arma política para desgastá-lo perante a torcida e o Conselho. O objetivo, no entanto, não é ideológico ou institucional, mas sim o controle do clube, especialmente seu controle financeiro. A atual gestão colocou o Vasco em processo de recuperação judicial, uma medida simplória e irresponsável diante do futuro do clube. Essa escolha não levou em consideração as consequências de imagem e credibilidade da instituição, que agora passa a sinalizar ao mercado financeiro do futebol que não honra com seus compromissos. A decisão compromete a reputação do Vasco como clube sério e pagador, e levanta dúvidas sobre sua capacidade de atrair investimentos genuínos e sustentáveis.

Esses movimentos deixam claro que o que está em jogo não é o futuro do Vasco, mas interesses puramente pessoais e políticos. Muitos dos protagonistas dessa disputa vieram do mesmo núcleo: o MUV. Fragmentado ao longo do tempo, ele originou diversos grupos políticos que vivem em ciclos de união e disputa, acordo e rompimento. Além de abandonarem aqueles que ajudaram a colocar no poder, esses grupos se voltam contra eles com acusações públicas, gerando desgaste institucional e prejudicando diretamente a imagem e a estabilidade do Vasco.

Por conta dessas constantes fragmentações políticas, geradas dentro do próprio MUV e por seus desdobramentos, o torcedor vascaíno passou a associar a política do clube como a principal responsável pelos fracassos financeiros e esportivos do Vasco, especialmente no futebol. Esses grupelhos criaram um ambiente institucional tóxico, de instabilidade permanente, onde alianças são feitas e desfeitas conforme conveniências pessoais, e nunca com foco no futuro do clube. É justamente essa prática que fez crescer, entre os vascaínos, o desejo de total afastamento da política do clube. A aversão da torcida aos políticos do Vasco não nasceu por acaso, ela é o reflexo direto do caos causado por esses mesmos atores, que, ao colocarem seus interesses acima dos do Vasco, afastaram o torcedor das decisões, da esperança e da crença em um projeto sólido e coletivo.

Diante desse cenário de repetidas disputas internas, abandono de lideranças e busca incessante por espaço, um grupo em especial tem buscado manter sua integridade e fidelidade aos ideais que defende: o Casaca. Diferentemente dos grupos que nasceram de rachas e conveniências pessoais, o Casaca se propõe como uma força política sólida, coesa e coerente em suas convicções. Ao longo dos anos, manteve-se fiel à defesa do Vasco acima de qualquer outro interesse, recusando-se a se submeter às lógicas de troca de favores e manipulação de poder que caracterizam tantos outros setores da política vascaína. Com uma postura crítica, porém responsável, o grupo tem como norte a preservação institucional do clube e o respeito à sua história, colocando o escudo e a torcida sempre acima das ambições pessoais.

Esses interesses espúrios, mascarados de discursos por um “Vasco melhor”, mancham a história do clube. O torcedor vascaíno, cansado de tantas trocas de lado, vê a repetição do mesmo roteiro: alianças provisórias, promessas rasas e brigas internas travestidas de debate institucional. Enquanto o jogo político for mais importante do que o jogo dentro de campo, o Vasco continuará refém de lideranças que pensam mais em si mesmas do que no escudo que dizem defender.

Tiago Scaffo

A era que desenha um crime contra a história do CRVG

A inacreditável derrota para o Vitória por 2 a 1 no Barradão, mesmo jogando com um homem a mais desde os 33 minutos do primeiro tempo, é apenas mais um capítulo agoniante, em uma sequência de vexames que marcam uma das gestões mais desastrosas da história do Vasco. Não bastasse perder de virada em Salvador, o clube já havia passado pelo constrangimento internacional de ser derrotado em casa pelo Puerto Cabello, da Venezuela, um time de segunda linha por lá, que jamais teria condições de competir com um Vasco minimamente estruturado. Esses resultados deploráveis não são coincidência e sim consequência direta da incompetência, do despreparo e da desorganização interna da direção.

Pedrinho, que assumiu a presidência prometendo resgatar a identidade do Vasco, mostrou-se até aqui um gestor perdido, incapaz de tomar decisões com firmeza, refém de relações pessoais e completamente desconectado das necessidades do clube. A permanência de Felipe Loureiro como diretor técnico foi o retrato mais claro dessa tragédia administrativa. Felipe se manteve até aqui no cargo, fundamentalmente por ser amigo de infância do presidente. Não tem preparo, não tem resultados, não tem justificativa alguma para continuar onde está. A manutenção de seu cargo, após as declarações dadas pós jogo frente ao Operário-PR, foram inadmissíveis. Não podemos esquecer que as derrotas seguidas e as inaceitáveis performances, principalmente nos últimos dois jogos, são reflexos da sua incapacidade em comandar o futebol do Vasco. Ao menosprezar um atleta em público, com todas as letras, num discurso concatenado e irresponsável, atingindo, por conseguinte, um ativo do clube, Felipe contribuiu diretamente para a desvalorização do elenco e para um provável estremecimento de sua relação com o plantel.

As decisões técnicas e administrativas têm sido, em sua maioria, desastrosas. Contratações de jogadores foram feitas sem critério, sem convicção, sem análise de elenco, que já é inchado. É visível o nível de improvisação e péssimo profissionalismo que toma conta da formação do conjunto de dentro e de fora das quatro linhas, afinal já vamos para o quarto treinador em um ano (excluindo da conta o interino Felipe). O resultado disso está em campo: um time frágil, sem padrão, incapaz de competir com clubes menores do futebol brasileiro e, pior, sendo superado por equipes do nível da que enfrentamos quarta-feira passada.

A gestão ainda tomou a injustificável decisão de vender o mando de campo do jogo contra o Palmeiras para Brasília. Isso afastou o Vasco de São Januário por quase um mês, tirou o time do calor da sua torcida e prejudicou ainda mais a já combalida relação entre ela e a direção. É uma atitude pequena, medíocre, que só evidencia o quanto esta diretoria não compreende, ou ignora, o valor simbólico e esportivo de sua própria casa. A situação foi tão esdrúxula que o próprio estádio Mané Garrincha, utilizado como mando de campo do Vasco, ficou todo em verde, homenageando o Palmeiras, time visitante da partida, após o jogo. Isso expõe ainda mais a falta de respeito ao clube. Foi, em síntese, uma tola opção de gestão.

No campo financeiro a situação é ainda mais alarmante. A gestão atual lançou o Vasco em um processo de recuperação judicial (antiga concordata), tentando renegociar uma dívida de aproximadamente R$ 900 milhões (a dívida fiscal que chega a R$500 milhões não entra na recuperação judicial), anunciando há dias como receita do ano passado 473 milhões e após fechar um contrato, apenas concernente a cotas de TV e placas publicitárias (com algumas plataformas ainda não negociadas) de 1,2 bilhão para os próximos cinco anos.

A partir do momento que o Vasco entra em recuperação judicial, o clube passa a sinalizar ao mercado, que não possui condições mínimas financeiras de arcar com seus compromissos e se apresenta como um “mau pagador”, jogando nela, inclusive, débitos com instituições, que lhe disponibilizaram atletas, usufruídos atualmente pelo próprio clube. Essa situação não é bem vista externamente e pode afetar negócios futuros dos mais variados. A alternativa, irresponsavelmente buscada, ao invés de ser um sinal de reestruturação palatável, passa a ser um alerta negativo para quem quer transacionar com o Vasco. Não houve debate prévio, quando o assunto veio à torcida em reunião de Conselho, transmitida para o mundo todo. Não houve discussão. Não houve diálogo. A torcida/sócios, que deveriam ser informados com detalhes do significado dessa aventura, com justificativas sobre o passo a passo do processo, já veem o clube e a SAF imersos num contexto vulnerável, desnecessariamente, numa escolha que não teve sequer consulta formal ao quadro social.

A sensação é de absoluto abandono. A atual gestão transformou o Vasco num clube à deriva, onde decisões são tomada sem critério técnico, sem responsabilidade institucional, sem necessária ligação com a grandeza da camisa que se representa. A torcida que lota estádios, paga mensalidades na qualidade de sócios, compra produtos, é tratada como um estorvo, quando cobra, e não como a alma viva do clube (assim enxergada apenas em situações convenientes). Não há escuta, não há respeito, não há consideração. A atual diretoria age como se o clube fosse um quintal pessoal, como se tivesse o direito de dilacerar um patrimônio intangível, que é coletivo.

Nunca, em nenhuma era, o Vasco passou por uma crise política e institucional tão profunda, tão vergonhosa, tão devastadora. Nem nas piores administrações do passado se viu tamanha falta de rumo, tamanha desconexão com o que é ser Vasco. Essa gestão não fracassou apenas nos resultados: ela fracassou moralmente, institucionalmente, simbolicamente. Transformaram o Vasco num clube irreconhecível. O que está acontecendo não é apenas preocupante. É deplorável. É revoltante. E se não houver reação imediata, o clube seguirá ladeira abaixo, diante dos olhos de milhões.

Tiago Scaffo.

Parabéns, Garotos do Vasco Sub-17! Campeões da Copa do Brasil e mostram caminho que a Diretoria precisa seguir

O Vasco da Gama reafirmou nesta terça-feira (6) a sua vocação histórica como clube formador ao conquistar, de maneira invicta, o seu primeiro título da Copa do Brasil Sub-17. Em uma decisão emocionante no Estádio Luso-Brasileiro, os Meninos da Colina empataram por 2 a 2 com o Bahia no tempo regulamentar, com gols de Andrey Fernandes e Cristofer, e venceram por 5 a 3 nos pênaltis, com uma defesa decisiva do goleiro Lucas Andrade. O título é simbólico: mostra que, mesmo em meio a dificuldades, o talento forjado em São Januário continua pulsando.

A história do Vasco sempre foi construída com base em sua força nas divisões inferiores. De lá saíram nomes que marcaram época, como Roberto Dinamite, maior artilheiro do clube e do Campeonato Brasileiro, e Romário, que começou sua trajetória no Vasco antes de se tornar o melhor jogador do mundo pela FIFA em 1994 e ser peça-chave na conquista do tetracampeonato com a Seleção. Outros nomes como Philippe Coutinho, Alex Teixeira, Douglas Luiz, Paulinho, Alan Kardec, Ricardo Graça, Luan Garcia, Alan, Morais, Evander e Gabriel Pec também saíram da base cruzmaltina e ganharam o mundo.

É impossível falar dessa tradição sem citar Felipe Maestro e Pedrinho, revelados em São Januário e multicampeões no final dos anos 1990. Hoje, ambos ocupam posições de liderança no clube, Felipe como diretor técnico e Pedrinho como presidente. São dois ex-atletas que conhecem, como poucos, o valor da base e sua importância no resgate do Vasco. Justamente por isso, é incompreensível e frustrante que essa gestão esteja negligenciando a integração entre os talentos formados no clube e o elenco profissional.

A diretoria atual, apesar do discurso de reconstrução, insiste em repetir erros de outras administrações recentes ao priorizar contratações que pouco contribuem tecnicamente, ignorando o potencial dos jovens que vestem a cruz de malta desde cedo. Falta planejamento, convicção e, sobretudo, sensibilidade para perceber que a base é mais do que uma promessa: é um ativo estratégico, esportivo e financeiro. Ver Felipe e Pedrinho, figuras que simbolizam essa tradição, não atuando firmemente para promover essa conexão é decepcionante. Justamente quem viveu essa transição e sabe o peso de uma oportunidade no time principal deveria liderar esse movimento com convicção.

O título da Copa do Brasil Sub-17 é mais do que uma taça: é um sinal claro de que o caminho está traçado. Cabe agora à gestão reconhecer esse potencial e agir com coerência. A mescla entre juventude e experiência sempre foi uma receita segura no futebol. No Vasco, ela está sendo desperdiçada.

Valorizar a base não é o único caminho, mas certamente é um dos principais para que o Vasco volte a ser protagonista de sua própria história, e da história do futebol brasileiro. Os Meninos da Colina mostraram que estão prontos para dar o próximo passo. Resta saber se quem comanda o clube terá a grandeza de olhar para dentro e reconhecer que o verdadeiro futuro do Vasco já está sendo moldado, e como sempre, em São Januário.

Tiago Scaffo

De Ídolo a Alvo

O Vasco da Gama atravessa um dos períodos mais conturbados de sua história recente, marcado por decisões administrativas controversas, falta de planejamento e um distanciamento crescente entre a diretoria e sua apaixonada torcida. A gestão atual, liderada por Pedrinho, tem acumulado erros que comprometem não apenas o desempenho esportivo, mas também a credibilidade institucional do clube.

A ascensão de Pedrinho à presidência foi inicialmente recebida com simpatia por boa parte da torcida. Ex-jogador do clube e comentarista de TV, ele carregava consigo uma imagem positiva, associada a um período bom da história vascaína e reforçada por sua postura técnica, comentando futebol, uma vez na imprensa. No entanto, ao assumir a presidência, a relação simbólica com a torcida deu lugar à realidade dura das cobranças por resultados e gestão eficaz. A empatia inicial se transformou em frustração, sobretudo quando decisões fundamentais começaram a expor a falta de preparo e comando.

Em maio de 2024, já com o controle do futebol de volta ao clube, após a ruptura com a 777 Partners, a diretoria permitiu que o técnico português Álvaro Pacheco, contratado ainda na transição, assumisse o cargo. Sua estreia resultou em uma derrota inaceitável por 6 a 1 para o Flamengo, a maior sofrida pelo Vasco na história do clássico. Pacheco permaneceu apenas 30 dias no cargo, com um desempenho de três derrotas e um empate, sendo demitido em junho. Pedrinho demorou dois dias para se pronunciar após o vexame citado, agravando a sensação de omissão.

Ainda no final de 2024, houve a tentativa frustrada de contratar Renato Gaúcho, que recusou o convite por divergências salariais. Essa tentativa, seguida pela chegada de Fábio Carille já em 2025, escancarou a ausência de planejamento técnico. O elenco, por sua vez, teve nas contratações de atletas, com poucas exceções, performances até aqui não correspondidas quanto às expectativas, sendo amplamente alvo de contestação por parte da torcida.

No plano econômico-financeiro, a gestão se mostrou desorganizada. O balanço patrimonial de 2023 foi apresentado com mais de três meses de atraso, revelando uma dívida de R$ 212 milhões. Posteriormente, em fevereiro de 2025, o clube ingressou com um pedido de recuperação judicial para reestruturar uma dívida estimada em R$ 1,4 bilhão. A medida, anunciada sem debate prévio com os sócios e nenhum na reunião que definiu a escolha pelo caminho da Recuperação Judicial (antiga Concordata) no Conselho Deliberativo, apesar de inúmeros questionamentos dos conselheiros não vinculados à situação. Pouco mais de um mês depois, foi apresentado pela empresa que fará a função de Administrador Judicial na Concordata um número de admissões do mês de maio em diante, superior a 100 funcionários (contra pouco mais de 30 demissões), enquanto o clube alegava dificuldades financeiras e se punha numa situação falimentar, em relação à SAF, no discurso de dentro da própria direção, fora as compras de direitos econômicos, que fizeram dessa gestão, no século, a que mais gastou com esse modelo de contratação, em considerando o Vasco tomando as rédeas do futebol, como sempre ocorreu em mais de 125 anos, dos seus quais 127 anos de vida.

Um episódio emblemático dessa desorganização financeira foi a dívida com o São Paulo pela contratação do zagueiro Léo. O Vasco adquiriu o jogador em 2023 por R$ 17 milhões, mas pagou apenas 45% do valor acordado. Mesmo sem quitar a dívida, o clube carioca vendeu o atleta ao Athletico-PR por R$ 12,5 milhões. Diante da inadimplência, o São Paulo acionou a CBF e a Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD), e considerou recorrer à FIFA para solicitar sanções contra o Vasco, como o impedimento de registrar novos jogadores, enquanto o clube jogou na recuperação judicial o débito .

No campo institucional e organizacional, a gestão Pedrinho demonstrou fragilidade. Não houve posicionamento firme em episódios cruciais, como as polêmicas do Campeonato Carioca de 2025, a falta de pressão institucional frente à FERJ em arbitral prévio à competição, ou quanto à vontade exposta de atuar contra o Flamengo no Campeonato Brasileiro de 2025 em São Januário e a omissão posterior à fala. A condução administrativa ficou marcada por relações pessoais e escolhas questionáveis, como a manutenção de aliados próximos em cargos-chave e a ausência de reações firmes e explícitas em episódios que exigiam liderança, como o recente caso envolvendo o diretor técnico Felipe, com quem Pedrinho tem relação próxima.

Tudo isso resultou em um ambiente de crescente impaciência da torcida e desgaste da figura presidencial. A imagem de Pedrinho, antes blindada por sua história no clube, passou a ser diretamente associada ao fracasso técnico, à falta de direção institucional e à desconexão com os anseios do torcedor. A situação culminou em um episódio simbólico e grave: a agressão, em Brasília, de um torcedor que protestava pacificamente contra a diretoria, cometida por um segurança do clube. Longe de ser um fato isolado, esse ato violento representa o colapso da relação entre gestão e torcida, um reflexo direto de uma administração que, em vez de ouvir e dialogar, tem preferido o silêncio, o bloqueio nas redes sociais e a repressão.

Diante desse cenário, é imperativo que a diretoria do Vasco da Gama adote uma postura mais transparente, dialogando com sócios e torcedores e estabelecendo um planejamento estratégico claro e eficaz. A reconstrução da confiança passa por reconhecer erros, abandonar relações políticas personalistas e reafirmar um compromisso institucional com os valores históricos do clube. Só assim o Vasco poderá superar a crise atual e retomar o caminho das vitórias e conquistas, dentro e fora de campo.

Tiago Scaffo

A Perda da Essência: Do Futebol de Raiz ao Modelo Importado

Houve um tempo em que o Brasil ditava o ritmo do futebol mundial. Não apenas pela excelência técnica de seus jogadores ou pelos quatro títulos mundiais conquistados (até então), mas pela forma única com que o esporte era vivido e compreendido em território nacional. Antes da chegada da Lei Pelé, em 1998, que mais de duas décadas depois desembocaria na Lei da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), em 2021, o futebol brasileiro operava sob uma lógica muito mais conectada com sua cultura e realidade socioeconômica do que com um ideal abstrato de gestão empresarial.

Nesse cenário anterior, clubes eram, em essência, associações civis sem fins lucrativos, regidas pelo direito privado e protegidas por uma lógica comunitária e cultural. Embora marcados por problemas de governança e clientelismo político, mantinham um vínculo orgânico com suas torcidas, seus territórios e suas histórias. O futebol funcionava como uma extensão da vida social, era memória, identidade e resistência.

A Lei nº 9.615/1998, conhecida como Lei Pelé, representou uma ruptura. Substituiu a antiga Lei Zico (Lei nº 8.672/1993) e impôs uma série de mudanças com o discurso da profissionalização do esporte. Uma das principais alterações foi o fim do “passe”, mecanismo que garantia aos clubes formadores alguma retenção sobre os atletas. Embora isso tenha favorecido os jogadores do ponto de vista contratual, criou um vácuo legal que facilitou a atuação de empresários e intermediários no mercado, acelerando o êxodo precoce de talentos. O Brasil, que antes exportava craques depois de consagrá-los, passou a fornecer matéria-prima bruta, sob medida para os interesses da Europa.

Ao longo dos anos 2000, os clubes brasileiros, fragilizados financeiramente, enfrentaram crescente dificuldade de manter suas estruturas e plantéis. Em vez de revisitar e reformar o modelo associativo com base em critérios técnicos e culturais nacionais, optou-se por importar soluções jurídicas com base no modelo europeu. Esse processo culminou na aprovação da Lei nº 14.193/2021, que instituiu a Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Inspirada parcialmente em estruturas de clubes-empresa europeus, especialmente da Inglaterra e da Alemanha, a SAF foi vendida como a panaceia para a crise dos clubes brasileiros. Contudo, a aplicação desse modelo em solo nacional desconsidera elementos estruturais: a ausência de regulação federativa eficiente, o pouco controle sobre o capital investido e a fragilidade institucional das entidades esportivas.

A imprensa esportiva brasileira teve papel determinante nesse processo. Longe de ser um espaço plural de debate, consolidou-se como agente ideológico da europeização. Programas e colunistas passaram a repetir, quase como mantra, que o futebol brasileiro era “atrasado” e que somente a lógica empresarial, com capital externo, CEOs e planilhas, poderia salvá-lo. Não houve espaço para questionar a viabilidade desse modelo em um país com tamanha desigualdade regional, ausência de cultura de compliance esportivo e enorme disparidade de receitas entre clubes.

Esse processo encontra um caso emblemático na trajetória recente do Vasco da Gama. Clube de origem popular e tradição inclusiva (tendo sido protagonista no movimento contra o racismo e o elitismo no futebol nos anos 1920 com a célebre Resposta Histórica), o Vasco foi um dos clubes que mais sofreu com a imposição de uma narrativa de crise crônica e incapacidade gerencial. A venda de 70% da SAF vascaína para a empresa norte-americana 777 Partners, em 2022, foi amplamente apoiada por segmentos da mídia como uma medida “inevitável” para a modernização do clube. Curiosamente, grande parte da torcida vascaína, mesmo ciente da histórica parcialidade da imprensa contra o clube, acabou aderindo ao discurso, aceitando a SAF como “única saída”. Trata-se de um caso evidente de como a mídia, ao longo do tempo, não apenas informou, mas moldou a percepção e o comportamento coletivo, mesmo em ambientes de resistência.

O modelo europeu, exaltado como padrão de sucesso, tampouco é homogêneo ou infalível. A Espanha é o exemplo mais explícito de distorção: enquanto Real Madrid e Barcelona seguem como associações com forte apoio estatal e privilégios fiscais, os demais clubes foram forçados a se tornarem sociedades anônimas. O resultado é uma liga profundamente desigual. A Alemanha, por sua vez, mantém a regra do “50+1”, que exige que os sócios do clube tenham a maioria do controle acionário, uma salvaguarda contra a perda de identidade e controle popular. Mas esses modelos são ignorados no debate nacional, que prefere importar versões adaptadas à conveniência de investidores.

Ao transformar clubes em produtos e torcedores em consumidores, o Brasil abdicou de sua liderança cultural no futebol. A essência comunitária do esporte foi sacrificada em nome de uma modernidade que, na prática, reproduz desigualdades, concentra poder e aliena o torcedor de suas próprias instituições. O país que outrora inspirou o mundo com sua irreverência e genialidade dentro de campo agora tenta desesperadamente copiar fórmulas que não respeitam sua alma.

Mais do que uma falha de gestão, trata-se de um erro de identidade. E talvez seja justamente por isso que o futebol brasileiro, apesar da abundância de talentos, vive um vazio simbólico. Perdemos a referência não porque fomos superados, mas porque abrimos mão de ser quem éramos.

Tiago Scaffo.

Palavras, apenas palavras, pequenas palavras ao vento: A fala que expôs o despreparo

As palavras de Felipe Loureiro, após o empate contra o Operário, pela Copa do Brasil, dizem muito mais sobre o momento do Vasco do que o desempenho em campo. Ao ser questionado por um jornalista na entrevista coletiva sobre a situação do zagueiro Manuel Capasso, o técnico interino e também diretor técnico do clube respondeu com desprezo: “Se você gosta dele, não tem problema, eu não gosto.” Foi desnecessário. Foi arrogante. Foi desrespeitoso.

A frase, por si só, já seria grave, mas torna-se ainda mais preocupante por ter vindo de quem ocupa duas funções centrais no futebol de um clube do tamanho do Vasco. Capasso pode estar fora dos planos, pode ter recusado propostas, pode estar envolvido em desentendimentos entre diretoria e empresário, nada disso justifica ser atacado publicamente dessa maneira. Ele é jogador do clube, e um dirigente de qualquer nível deveria saber que o respeito à instituição começa pelo respeito às pessoas que a representam.

Felipe expôs um ativo do clube com ironia. Expôs também um repórter que apenas fazia seu trabalho. E, mais uma vez, mostrou que prefere os microfones à gestão. É a vaidade se sobrepondo à função. E é justamente aí que mora o problema: o Vasco precisa de comando, não de ego.

Em campo, mais do mesmo. O empate em 1 a 1 contra o Operário foi triste de assistir, salvo por um único momento de brilho: o lindo gol de Nuno Moreira que até aqui, a única contratação de 2025 que efetivamente deu certo. O restante foi um time sem identidade, sem intensidade, sem direção.

Fora de campo, o cenário é ainda mais revoltante. O torcedor vascaíno segue sendo o maior ativo do clube. É ele quem viaja, quem lota arquibancadas pelo Brasil, quem grita, chora, canta e nunca abandona. E o que tem recebido em troca? Desorganização, falas desrespeitosas, falta de resultados e promessas vazias. A diretoria parece alheia ao que vive a arquibancada. Não responde com futebol, não responde com transparência, não responde com respeito.

Felipe Loureiro precisa entender o que significa estar à frente do futebol do Vasco. Não é sobre vencer disputas verbais. É sobre reconstruir um departamento que vive um colapso técnico e institucional há anos. É sobre liderar com profissionalismo e compromisso, não com frases de efeito.

Porque, como já se ouviu, e é cada vez mais apropriado repetir: “Quem ganha a vida com a boca é cantor”. Felipe tem falado demais e entregue de menos.

O Vasco não aguenta mais palavras. Precisa de trabalho, e trabalho competente.

Tiago Scaffo.