UMA FORÇA HISTÓRICA REVIVE A LUTA CONTRA A CRISE, MAS HÁ ALERTAS
Cem mil novos sócios em uma semana. O Vasco tem uma posição singular no futebol. O clube nasceu pobre, entrou no velho esporte bretão na terceira divisão, e se tornou uma força nacional.
Ao mesmo tempo foi o ponto de identidade de milhares de portugueses que para cá vieram trabalhar com muita dificuldade. Mas, no início do século XX, a imagem do colonizador ainda trazia desgastes e a interação com os pobres foi fundamental para o crescimento na área popular.
Mas o time de comerciantes da zona norte nunca teve grande penetração na elite ou nos formadores de opinião através da mídia.
O esforço pela identidade, a construção de São Januário e o Expresso da Vitória tornaram o Vasco um gigante.
A partir dos anos 60 houve uma sequência de crise administrativa/politica e praticamente o fim da imigração portuguesa (a partir de 1974).
O Vasco, apesar de alguns brilhos eventuais, só volta a ser mesmo gigante no período 1986/2001. Para isso foi necessária unidade política, circunstâncias favoráveis (criação do Clube dos Treze com o Vasco entre os líderes) e um dirigente que teve a coragem de enfrentar as forças já estabelecidas. Foram conquistados 6 Estaduais (que eram bem mais disputados), 3 Brasileiros, Libertadores, Mercosul e Rio-São Paulo no período. E duas decisões de Mundial em 13 meses que o destino não deixou vir para São Januário.
Mas se não havia novos portugueses chegando de onde vinha a renovação da torcida? Não só dos filhos de vascainos, mas também de filhos de tricolores e alvinegros que passavam por fases ruins. O Vasco cresceu numa juventude de classe média nos anos 90 com torcedores que não tinham passado familiar vascaino.
Esses jovens se acostumaram bem, mas essa não é a realidade de um clube que tem pouca elite, pouca boa vontade da midia e ainda tem como principal rival exatamente o preferido desses setores.
Diversos problemas internos e pressões externas (com a Globo cortando a verba durante 2 anos) enfraqueceram o clube. Esses novos torcedores não entenderam o que acontecia estrategicamente e acharam bom quando uma nova direção assumiu o Vasco em 2008. Era anunciado um Novo Vasco que sepultaria o antigo. Isso não existe numa instituição centenária. Foi um desastre.
A administração Dinamite ajudou a implodir o Clube dos Treze num erro estratégico infantil. A união de todos equilibrava o poder de Flamengo e Corinthians na mídia. O Vasco perdeu muitos recursos frente aos rivais e a administração deixou em 2014 o clube com quase 700 milhões de reais em dívidas contra 190 milhões em 2008.
De 2015 para cá o que o Vasco conseguiu foi segurar e até diminuir a dívida, mas sem retomar ainda a capacidade de investimento. Além disso, a atual diretoria ajudou a implodir ainda mais o clube internamente. Se tem alguns méritos também tem uma fraqueza de quadros que entendam de futebol, que tenham a alma do clube. Na dificuldade, além de planilhas é preciso também entender do assunto.
Todo esse quadro difícil foi acentuado pelo sucesso do Flamengo, que era uma questão de tempo já que os recursos à disposição foram se multiplicando nos últimos anos. E o trabalho deles não abre mão de quem entende de futebol, ao contrário do Vasco que nào tem vice de futebol e erradamente se orgulha disso.
A faísca que detonou a torcida vascaína esta semana foi também a imposição da mídia do discurso de que só haveria um grande no Rio.
Esse quadro que reflete o fato do Flamengo ter hoje ampla maioria na base de repórteres/editores e também dos donos dos meios de comunicação (o que sempre teve). A época de editores botafoguenses acabou há muito.
Tudo isso fez com que 100 mil vascaínos se associassem em uma semana. Que esta nova geração retome o pensamento dos vascaínos do passado que sabiam da dificuldade de afirmação. Que os jovens de classe média dos anos 90, hoje já quarentões, tenham aprendido as dificuldades de ser da zona norte sem muita penetração na elite, mesmo sendo gigante.
E que os torcedores saibam que esses recursos não resolverão os problemas do Vasco. A ajuda é boa porque mostra o potencial ainda gigantesco do clube, mas o buraco é mais fundo. O Vasco precisa também de liderança política que possa enfrentar o quadro atual, inclusive os favorecimentos políticos que não chegam ao clube, que se prepare para a disputa com a TV em 2023 e que tenha visão de conjunto do futebol brasileiro. A torcida não pode desanimar, mesmo que resultados imediatos nâo venham. E a diretoria deve ser mais humilde para saber que, com todas as dificuldades, pode ser melhor no futebol se ouvir as nossas raízes.
MARCO ANTONIO MONTEIRO
Grande Benemérito do Vasco