O Club de Regatas Vasco da Gama atravessa uma grave crise financeira, que desde 2018 afunda o clube em dívidas crescentes nas gestões que se sucederam ao longo dos últimos sete anos. A promessa de reorganização administrativa e retorno à competitividade deu lugar à uma espiral de endividamento, instabilidade e descrédito. Para piorar, hoje o clube se encontra em seu pior momento institucional no século XXI, sem comando claro, sem plano estruturado, com oito anos e tanto sem títulos e pródigo em decisões simplistas, tomadas sem a devida responsabilidade ou de improviso.
A tentativa de virar a chave veio em 2022, com a criação da SAF e a venda de 70% das ações dela para a empresa norte-americana 777 Partners. À época, prometeu-se transformar o Vasco em um gigante da América Latina e do mundo. O resultado foi o oposto. A gestão da 777 não apenas fracassou em reorganizar o clube, como aprofundou os problemas financeiros. Ao fim da sua administração, a dívida do clube girava em torno de R$ 1,2 bilhão englobando passivos fiscais, trabalhistas, bancários, cíveis e desportivos.
Esse valor representa um aumento de aproximadamente R$ 465 milhões em relação ao que o clube havia acumulado ao longo de 124 anos de história, quando a dívida total girava em torno de R$ 735 milhões (2022). Ou seja, em apenas dois anos sob gestão da SAF, a dívida cresceu mais de 63% em relação ao passivo histórico do clube, um ritmo de endividamento inédito e alarmante. O que se vendeu como um novo modelo de gestão eficiente e moderno se traduziu, na prática, em uma administração que ampliou significativamente o endividamento, sem oferecer resultados esportivos ou avanços institucionais concretos.
Após a saída da 777, concedida através de uma liminar expedida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a administração da SAF retornou ao controle do clube associativo, sob a presidência de Pedrinho. No entanto, a crise não apenas persistiu, como se agravou. Sem uma reestruturação de despesas, sem acordos com credores e sem diretrizes claras de austeridade, a dívida aumentou em mais R$ 200 milhões apenas entre maio e dezembro de 2024. Esse crescimento representa aproximadamente 27% do valor que havia sido acumulado em 124 anos de associativo, e equivale a 40% do que a SAF elevou em dois anos, tudo isso em apenas sete meses. A escalada do passivo, sem qualquer contrapartida esportiva ou financeira, revela um cenário de gestão igualmente desorganizada e ineficiente, mesmo após a retomada do controle pelo clube.
Diante desse quadro, a atual gestão optou por recorrer à Recuperação Judicial (antiga Concordata), uma medida legal prevista para empresas em grave crise, que visa a reestruturar dívidas com a supervisão do Judiciário. Apesar de prevista em lei, a decisão foi vista com desconfiança por grande parte da torcida, por analistas do setor e por figuras proeminentes dentro do clube. Isso porque o uso da Recuperação Judicial, ainda que proteja o clube de ações de cobrança no Brasil, traz consigo uma série de estigmas e efeitos colaterais institucionais.
O grupo político Casaca, tradicional e combativo, posicionou-se de forma veemente contra a medida, mostrando ter a atual administração abdicado de buscar alternativas, como acordos ou parcelamentos que poderiam mitigar o impacto das dívidas. Ao lançar praticamente todo o passivo na Recuperação Judicial, sem demonstrar esforço prévio de negociação para não entrar nela, comprovando tratar-se de uma medida apressada e irresponsável, que empurra o problema para o futuro, sem resolvê-lo no presente.
Mais grave ainda é o cenário internacional. O Vasco corre o risco real de sofrer sanções da FIFA, especialmente um transfer ban, ou seja, a proibição de registrar novos jogadores. A punição se deve ao não pagamento de dívidas com clubes do exterior, o que fere diretamente as normas da entidade máxima do futebol.
Sobre o posicionamento da FIFA em casos como esse, é importante esclarecer: como regra, a entidade costuma reconsiderar sanções quando o clube está em Recuperação Judicial. Ela reconhece as dificuldades típicas desse tipo de processo e, normalmente, entende que, dentro desse contexto, o clube não é obrigado a cumprir os acordos firmados da forma originalmente imposta, mas sim conforme a legislação local que rege a Recuperação Judicial.
No entanto, a FIFA não está obrigada a aceitar essa reconsideração. Ela avalia caso a caso e pode interpretar que o clube está tentando se valer da Recuperação Judicial sem real necessidade, ou com condutas inadequadas. A entidade pode, portanto, optar por não suspender a punição com base em sua própria leitura do cenário, independentemente da legislação nacional.
Ou seja, ainda que a recuperação judicial possa ser reconhecida pela FIFA, não há garantia de que isso ocorrerá automaticamente. Se ela entender que o Vasco não está agindo com transparência, ou que a medida não é justificada, o transfer ban poderá ser mantido até janeiro de 2027. Isso seria muito prejudicial ao clube, que precisa urgentemente se reforçar para ser competitivo e tentar crescer esportivamente.
O prejuízo institucional vai além do campo. A perda de credibilidade afasta potenciais investidores, enfraquece relações com patrocinadores e deteriora o prestígio de uma marca centenária. Em vez de um recomeço sólido com a SAF, o Vasco se vê hoje novamente no centro de uma crise, sem comando claro, sem plano de reestruturação e com decisões sendo tomadas sob pressão e improviso.
A Recuperação Judicial, portanto, não é um recomeço. É o reflexo do fracasso de uma ideia de gestão vendida como solução milagrosa e de uma parceria que agravou, em vez de resolver, os problemas do clube. Se não houver uma guinada institucional imediata, com comando, responsabilidade e comprometimento, o Vasco corre o risco de afundar ainda mais no ciclo de instabilidade que o assombra nos últimos sete anos. O tempo para reavivar o clube ultrapassa os limites da razoabilidade. Como reflexo de tudo isso, em campo o Vasco não conquista um campeonato há quase nove anos.
Tiago Scaffo.