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A entrevista de Alan Belaciano: Entre a falta de integridade e o triunfalismo injustificável

A entrevista concedida por Alan Belaciano, presidente da Assembleia Geral do Club de Regatas Vasco da Gama (CRVG), ao canal Vasco TV, foi um retrato cristalino da confusão ética, administrativa e política que marca as três últimas gestões do clube, e, principalmente, a atual. Disfarçada de prestação de contas e de suposto esclarecimento, a fala de Belaciano foi, na prática, uma peça de propaganda que expõe ainda mais as contradições e a falta de integridade institucional na condução do CRVG.

Logo no início, causa espanto o tom quase celebratório adotado ao abordar a entrada do Vasco em recuperação judicial (RJ). Belaciano chega a classificar como algo praticamente inédito e positivo o fato de o clube ser o primeiro grande do Brasil a entrar nesse regime jurídico. Mais do que uma visão ingênua, essa narrativa escancara a absoluta desconexão com a realidade: a recuperação judicial não é símbolo de grandeza, mas sim de insolvência. É um atestado público de que a instituição, através dessa gestão, não consegue honrar seus compromissos nos moldes previamente assumidos, e precisa recorrer a mecanismos legais para postergar, reduzir, ou até anular parte de suas obrigações financeiras.

O próprio Belaciano expõe, com naturalidade constrangedora, a atuação direta junto a advogados de credores. Ainda que tente vestir essa atuação como parte do processo de composição dos acordos, o fato é que a condução dessas tratativas nessas condições coloca em risco a integridade do próprio processo de recuperação judicial do Vasco. Ao invés de assegurar uma condução plenamente técnica, transparente e independente, o clube acaba se expondo a questionamentos sobre a real imparcialidade das negociações e a equidade no tratamento dos credores, ferindo princípios fundamentais de proteção ao seu patrimônio e à sua credibilidade institucional. Mais revelador ainda é o próprio conjunto de negociações conduzidas durante o processo, especialmente no âmbito da classe trabalhista, em que, sob sua condução, mais de 80% dos acordos foram firmados anteriormente sem aplicação dos deságios típicos de uma RJ, apenas com alongamento de prazos. Ou seja, o Vasco demonstrou ser plenamente capaz de renegociar suas obrigações trabalhistas sem necessidade de recorrer à proteção judicial, o que desmente a suposta inevitabilidade da recuperação judicial. Se tais acordos eram possíveis dentro de uma via negocial ordinária, fica a inevitável indagação: por que, então, o clube precisou ser empurrado para o regime de RJ? E, mais grave: agora, consolidado o plano, qualquer inadimplemento futuro poderá conduzir o Vasco à falência, encerrando de forma dramática um ciclo que poderia ter sido evitado.

Mais preocupante ainda é a narrativa de que desde 2004 o Vasco apenas “enxugava gelo”, pagando mais juros do que amortizações de dívida. Trata-se de uma incongruência histórica que ignora, por exemplo, o período entre 2015 e 2017, quando o clube, mesmo diante de sérias dificuldades, conseguiu efetivamente reduzir sua dívida global, fato confirmado pelo balanço de 2017, feito pela gestão posterior, em 2018. Ou seja, houve sim capacidade de diminuição da dívida global fora do contexto de recuperação judicial, ao contrário do que tenta pintar o discurso oficial atual.

A suposta imparcialidade nas negociações com os credores, tão destacada por Belaciano, também se mostra profundamente questionável. Um exemplo gritante é o caso do atual diretor técnico do futebol, Felipe Loureiro, ex-jogador do clube. Até hoje não há uma explicação clara e objetiva sobre como se deu a quitação ou a retirada de sua dívida do processo. Informações desencontradas indicam que teria ocorrido uma execução judicial em 2022, mas a forma como o acordo foi estabelecido, os valores envolvidos e se houve ou não tratamento diferenciado permanecem envoltos em incertezas. Não se sabe, até o momento, se a negociação atendeu aos critérios éticos esperados de quem deveria zelar pelo tratamento equitativo a todos os credores, ou se configurou uma situação díspar disso. Esse episódio, ainda sem os devidos esclarecimentos, continua pairando como mais um ponto de interrogação das mais diversas condutas administrativas da atual gestão.

A ausência de responsabilidade da atual gestão não se restringe apenas à condução da RJ. É importante pontuar que, até maio de 2024, o futebol profissional estava sob controle da Vasco SAF, então administrada pela 777 Partners. A partir daquele mês, com a concessão de uma liminar pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, processo este ainda em andamento e não definitivamente concluído, o CRVG reassumiu o controle integral das ações da Vasco SAF. A partir dessa retomada, a atual gestão passou a acumular novas dívidas expressivas, especialmente entre maio e dezembro de 2024, período em que deixou de honrar compromissos financeiros com vários credores, descumprindo o Princípio da Continuidade Administrativa. Esse acúmulo recente de obrigações, somado aos passivos anteriores, foi aparentemente preparado para ser arremessado integralmente dentro do processo de recuperação judicial. Ou seja, diferentemente da narrativa oficial, não se tratou de um passivo herdado exclusivamente de administrações anteriores, mas de um cenário que sugere uma estratégia deliberada, ao menos em aparência, construída já sob o comando atual, com a intenção prévia, e posteriormente consolidada, de empurrar toda essa massa de dívidas para dentro da RJ e, assim, tentar reestruturar o endividamento via deságios e prazos alongados. É nesse contexto que a suposta “redução” de dívida anunciada não passa de um movimento artificial, fruto de recálculos judiciais, e não de uma efetiva política de responsabilidade financeira e equilíbrio administrativo. O Vasco se coloca numa condição de instituição que não paga o que deve, e depois tenta renegociar suas dívidas com acordos de descontos. Quem sai perdendo, além da instituição, é o credor.

A entrevista de Alan Belaciano a Vasco TV não apenas falha em oferecer esclarecimentos verdadeiros à torcida e aos sócios, como ainda evidencia o grau de descompromisso com a integridade, a responsabilidade e a transparência que deveriam pautar a condução do Club de Regatas Vasco da Gama. Uma gestão que celebra a insolvência como feito administrativo e usa a crise como trampolim político, está muito distante daquilo que a instituição, e sua imensa torcida, merecem.

Tiago Scaffo

2 comentários sobre “A entrevista de Alan Belaciano: Entre a falta de integridade e o triunfalismo injustificável

  1. Não confio e não confiarei nessa gestão em momento algum nem mesmo em atos que aparentemente possam soar como positivos à Institiicao. Há sempre alguma coisa errada escondida por trás de tudo. Não há esclarecimento de nada aos sócios. A venda do Futebol do Vasco e a manutenção dessa covardia em atos temerários não nos resta nenhum lastro de confianca nem mesmo a SPE que apesar de legal é uma porta aberta para possiveis desmandos.

  2. Noves fora, após a era dinamite o Vasco só sifu.
    Por falta de aviso não foi.
    Estou preparado, e conformado, para o horizonte que nos espera.
    Maktub.

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