A política interna do Club de Regatas Vasco da Gama tem sido marcada por alianças frágeis, rupturas estratégicas e interesses que, com frequência, se sobrepõem ao bem coletivo da instituição. A história recente comprova esse padrão corrosivo. Nas eleições de 2017, as chapas de Júlio Brant (Sempre Vasco) e de Alexandre Campello (Frente Vasco Livre) formaram uma aliança sob a denominação Sempre Vasco Livre. O acordo previa a presidência de Brant, com Campello como vice-presidente Administrativo, acumulando o cargo de Vice-Presidente de Futebol. No entanto, após a vitória nas urnas, a aliança se desfez. Campello, ainda vinculado ao Identidade Vasco, grupo de situação com forte presença no Conselho Deliberativo, lançou-se como alternativa na eleição interna, realizada entre conselheiros. Sua eleição à presidência só se concretizou porque contou com a chancela da oposição, que, mesmo sem assumir cargos na administração, o apoiou decisivamente, primeiro entre os eleitos e depois no corpo de Beneméritos. Essa composição gerou uma leitura equivocada por parte de muitos, como se a oposição tivesse assumido o poder, quando, na verdade, a estrutura administrativa permaneceu nas mãos da situação. A gestão Campello teve à frente o grupo Identidade Vasco e, pontualmente, aliados de Brant, mantendo, portanto, o domínio político da base situacionista. A oposição, ao contrário do que se costuma afirmar, não ocupou cargos estratégicos e tampouco comandou qualquer frente da administração. Essa virada política evidenciou o peso dos bastidores e da engenharia regimental dentro do clube, sem, no entanto, significar uma ruptura com o bloco que venceu nas urnas da Lagoa.
Atualmente, esse padrão volta a se repetir. A gestão de Pedrinho, que inicialmente contou com o apoio de diversos grupos políticos, incluindo parte dos que compunham a situação à época, hoje é alvo justamente desses mesmos aliados. O ponto de inflexão gira em torno da condução do processo envolvendo a Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Em 2024, Pedrinho liderou a rescisão do contrato com a 777 Partners e conduziu a reintegração do futebol ao clube associativo, medida que recebeu amplo apoio interno naquele momento, inclusive de grupos historicamente críticos à SAF, como o Casaca. No entanto, ao longo do tempo, a postura de Pedrinho passou a ser interpretada por alguns desses grupos como de resistência à venda imediata da SAF para um novo investidor. Essa “aparente contrariedade” passou, então, a ser usada como argumento político para desgastá-lo internamente, transformando antigos aliados em opositores e abrindo espaço para novas articulações de poder. A semelhança com episódios anteriores, como o da Identidade Vasco versus Sempre Vasco, está justamente na fragilidade das alianças políticas formadas e na rapidez com que interesses circunstanciais se sobrepõem ao debate institucional duradouro.
Esse tipo de movimentação já não é novidade na política vascaína. Quando Roberto Dinamite, maior ídolo da história do clube, foi eleito presidente, também contou com o apoio de muitos desses mesmos grupos oriundos do MUV (Movimento Unido Vascaíno). Porém, assim como ocorre com Pedrinho, Dinamite foi posteriormente deixado isolado pelos que o colocaram no poder, enfrentando críticas internas e abandono político durante sua gestão. Trata-se de um padrão recorrente: escolhe-se uma figura carismática, com forte ligação com a torcida, para chegar ao comando do clube e, em seguida, essa liderança é enfraquecida por aqueles que antes a exaltavam.
Nesse contexto, é importante destacar o papel do Casaca, que sempre manteve uma postura coerente em relação ao tema. Historicamente contrário à criação da SAF no Vasco, o Casaca nunca se omitiu diante do avanço desse modelo. Desde o início da gestão da 777 Partners, o grupo monitorou e criticou suas ações com responsabilidade, mantendo-se firme em seus posicionamentos. Como grupo político, o Casaca procura sempre manter a coerência e a solidez de seus ideais, colocando o Vasco acima de qualquer ambição pessoal ou conveniência política.
Os grupos que agora se opõem a Pedrinho se utilizam da “aparente contrariedade” do presidente à venda da SAF como arma política para desgastá-lo perante a torcida e o Conselho. O objetivo, no entanto, não é ideológico ou institucional, mas sim o controle do clube, especialmente seu controle financeiro. A atual gestão colocou o Vasco em processo de recuperação judicial, uma medida simplória e irresponsável diante do futuro do clube. Essa escolha não levou em consideração as consequências de imagem e credibilidade da instituição, que agora passa a sinalizar ao mercado financeiro do futebol que não honra com seus compromissos. A decisão compromete a reputação do Vasco como clube sério e pagador, e levanta dúvidas sobre sua capacidade de atrair investimentos genuínos e sustentáveis.
Esses movimentos deixam claro que o que está em jogo não é o futuro do Vasco, mas interesses puramente pessoais e políticos. Muitos dos protagonistas dessa disputa vieram do mesmo núcleo: o MUV. Fragmentado ao longo do tempo, ele originou diversos grupos políticos que vivem em ciclos de união e disputa, acordo e rompimento. Além de abandonarem aqueles que ajudaram a colocar no poder, esses grupos se voltam contra eles com acusações públicas, gerando desgaste institucional e prejudicando diretamente a imagem e a estabilidade do Vasco.
Por conta dessas constantes fragmentações políticas, geradas dentro do próprio MUV e por seus desdobramentos, o torcedor vascaíno passou a associar a política do clube como a principal responsável pelos fracassos financeiros e esportivos do Vasco, especialmente no futebol. Esses grupelhos criaram um ambiente institucional tóxico, de instabilidade permanente, onde alianças são feitas e desfeitas conforme conveniências pessoais, e nunca com foco no futuro do clube. É justamente essa prática que fez crescer, entre os vascaínos, o desejo de total afastamento da política do clube. A aversão da torcida aos políticos do Vasco não nasceu por acaso, ela é o reflexo direto do caos causado por esses mesmos atores, que, ao colocarem seus interesses acima dos do Vasco, afastaram o torcedor das decisões, da esperança e da crença em um projeto sólido e coletivo.
Diante desse cenário de repetidas disputas internas, abandono de lideranças e busca incessante por espaço, um grupo em especial tem buscado manter sua integridade e fidelidade aos ideais que defende: o Casaca. Diferentemente dos grupos que nasceram de rachas e conveniências pessoais, o Casaca se propõe como uma força política sólida, coesa e coerente em suas convicções. Ao longo dos anos, manteve-se fiel à defesa do Vasco acima de qualquer outro interesse, recusando-se a se submeter às lógicas de troca de favores e manipulação de poder que caracterizam tantos outros setores da política vascaína. Com uma postura crítica, porém responsável, o grupo tem como norte a preservação institucional do clube e o respeito à sua história, colocando o escudo e a torcida sempre acima das ambições pessoais.
Esses interesses espúrios, mascarados de discursos por um “Vasco melhor”, mancham a história do clube. O torcedor vascaíno, cansado de tantas trocas de lado, vê a repetição do mesmo roteiro: alianças provisórias, promessas rasas e brigas internas travestidas de debate institucional. Enquanto o jogo político for mais importante do que o jogo dentro de campo, o Vasco continuará refém de lideranças que pensam mais em si mesmas do que no escudo que dizem defender.
Tiago Scaffo